Longe de casa

23:30:00

Longe de casa, enquanto o céu escurece, as estrelas vão ficando mais brilhantes com a mesma facilidade em que a gente encontra justificativa para as nossas fraquezas.
O gosto na boca fica por mais tempo, os dedos mais ásperos e as pessoas mais vivas, ainda aquelas com costumes ridículos de engolir sua liberdade com sorrisos falsos.
Elas são mimadas pelo que pediram e dramatizadas pelas frustrações.
E eu não sei se rio, choro ou me identifico com as constantes tentativas de serem o que não são.
Eu não sei se elas sabem, como eu sei quando o silêncio me encontra,
que a vida é assombrada pela tristeza; nós e ela estamos sempre a sós.
Eu gosto de quem não se deixa distrair, de quem te faz rir com a própria estranheza, de quem sente a dor corroer por dentro, bebe uma dose a mais e manda todo mundo se foder;
de quem gela na noite fria em que lhe falta até a alma;
e arde na tarde, queima até o suor encharcar a roupa.
Seu nome era Elisa, ela não estava perdida, a gente só se perde quando sabe onde quer estar e ela não sabia.
Ela estava iluminada pela sensação de liberdade que tão poucas vezes havia sentido e aterrorizada em se sentir só.
Ela havia crescido num mundo onde pessoas se apoiam umas nas outras e nas suas casas e carros e problemas.
Se escalam dia após dia enquanto trocam gargalhadas por sorrisos de consentimento.
Elisa estava sufocada, eram tantas as regras de conduta, de felicidade e até de amor.
Antes ela só queria voltar pra quando não houvesse quem tirasse o ar de seus pulmões;
mas as ilusões, ela sabia, acabam sempre por morrer.
Então ela correu, fugiu, veio parar aqui.
O céu, na verdade, não tinhas muitas estrelas e já estava bem tarde.
Sua mente se contorcia em perguntas, seu corpo se contorcia em fome. Ela adormeceu em um banco e foi acordada pela luz do sol. Elisa levantou em um susto e suas costas gemiam, imploravam por uma cama quente. Orgulhosa, ria de si mesma, olhava pros lados sem ter direção.
O mundo acordava, as janelas se abriam, as pessoas de olhos caídos das casas pequenas andavam pela rua sonolenta.
E aquele momento a encontrou, sem grandes expectativas, nas palavras caladas e escolhas erradas, nos seus passos perdidos.
Era real, ela sabia, real como nunca havia sido antes.
Eu sabia pelos olhos delas que encaram o mundo sem se esconder.
Eu não vi mais Elisa depois que seus passos ficaram ao longe.
Era real, eu sabia, como nunca havia sido antes.

You Might Also Like

0 comentários